domingo, 13 de março de 2016

Carta de amor para um combatente do Ultramar.

Lisboa, 5/8/1965

Meu querido: (…) já quase deixava de esperar notícias de bordo (…). [resposta ao meu aerograma enviado do Funchal] As tuas palavras de hoje, meu amor, vieram colocar mais um sinal, mais um ponto positivo na minha vida que tem sido nestes dias tão monótona, tão sem interesse. Vieram acordar-me deste letargo em que mergulhei sem forças para dele sair, desde que os teus pais me deixaram. 

Foram embora domingo à tarde. Parecia-me que a tua mãe ia mais bem-disposta, mais calma e mais conformada. Aqui passou o tempo mais ou menos animada, parecia-lhe, dizia-me ela à partida, que ainda estava junto de ti. Eu sentia o mesmo. Tens uma mãe encantadora, meu querido. Eu fiquei deveras maravilhada com ela, com as atenções que me dedicou. É bastante justo o amor, a dedicação, a admiração que lhe votas, (…). Eu farei tudo para lhe amenizar a dor, a saudade pela tua partida. Devia ter recebido uma carta minha a participar-lhe que não ia lá passar o domingo como tinha prometido. (…) mas eu não posso, embora tenha a 2ª feira livre até às 14 horas para podermos assistir ao juramento e investidura do Presidente da República. [Em 9/ VIII/1965, Américo Tomás inicia o seu 2º mandato como PR (1965-1972).] 

(…). Consegui na hora da despedida sorrir-te, pôr nesse sorriso toda a minha esperança e toda a confiança no belo futuro que havemos de ter mas, interiormente, a minha constituição física ressentiu-se com a excitação de que depois fui tomada. Já é natural o que agora me aconteceu, quando me excito, por isso evito as viagens porque experimento um mal-estar, uma indisposição horrível. (…). 

Olha por ti. Não desanimes, (…) é preciso que no nosso espírito haja um apoio, uma segurança, alegria indestrutível. Tudo passará, (…). E tu regressarás. (…). Acredito-o. Haverá nestes anos muita dor, muitas saudades, momentos de desespero mas para vencermos tudo isso e o mais a que estamos sujeitos é preciso que tenhamos um ponto de apoio, qualquer coisa pela qual teremos de vencer tudo para a possuir. (…). Nós somos capazes de transformar em triunfo todas as dores, fracassos, decepções. (…), apesar de tudo e contra tudo o que se lhes oponha. (…). Com esta segurança, querido, com esta força que nos guia podem vir desgraças, desânimos, decepções que sempre fica na nossa alma uma réstia de luz, de paz e alegria, capazes de suplantar todas as dores. 

(…) aguardemos confiantes a hora do encontro. 

(…). Beijo-te e abraço-te, meu amor querido. Só e sempre tua, N.




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